Paulo Freire
Poema
Canção Para os Fonemas da Alegria * Thiago de Mello
Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
êste canto de amor pùblicamente. Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrêlas
que em meu peito floresce de menino.
Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano,
a palavra ti-jo-lo, por exemplo,
e poder ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas,
e descobrir que todos os fonemas
são mágicos sinais que vão se abrindo
constelação de girassóis gerando
em círculos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa
Às vêzes há casa: é do o chão.
Mas sôbre o chão quem reina agora é o homem
Diferente, que acaba por nascer:
porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,
e acaba por unir a própria vida
a seu peito de partida e repartida
quando afinal descobre num clarão
que o mundo é seu também, que o seu trabalho
não é pena que paga por ser homem,
mas o modo de amar - e de ajudar
o mundo a ser melhor. Peço licença
para avisar que, o gosto de Jesus,
êste homem renascido é um homem nôvo:
êle atravessa os campos espalhando
a boa-nova, e chama os companheiros
a pelejar no limpo, fronte a fronte,
contra o bicho de quatrocentos anos,
mas cujo fel espêsso não resiste
a quarenta horas de total ternura.
Peço licença para terminar
soletrando a canção de rebeldia
que existe nos fonemas de alegria:
canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler.